Faz hoje um mês que cheguei a Santiago. Um dos momentos mais mágicos da minha vida. Se fechar os olhos consigo ir para aquele preciso momento…de dor, frio, extremo cansaço mas absoluta felicidade de ter alcançado algo que eu tanto queria e que me pareceu impossível durante tantos anos. Ter as minhas filhas a correr para mim à entrada da Plaza do Obradoiro é o momento apoteótico que jamais esquecerei. O turbilhão de sentimentos e recordações é tão grande que parece que foi ontem.
Um sem número de vezes tentei escrever. Outras tantas, apaguei ou refiz.
É muito difícil traduzir em palavras o que senti, o que vivi e o que experienciei nos 6 dias que caminhei desde Ponte de Lima até Santiago.

Ser peregrino é muito mais do que fazer o caminho a pé, de bicicleta ou a cavalo. Ser Peregrino é entrar numa outra realidade quando se entra na Catedral de Santiago de Compostela. Nessa medida sou efetivamente peregrina há 12 anos, eu que há muito estava afastada da igreja católica, quando entrei na catedral em Março de 2010 a minha vida mudou.
Não vos sei explicar porquê nem exatamente o quê mas a minha vida mudou. Nesse mesmo ano prometi que havia de lá voltar todos os anos desde que a saúde e as finanças o permitissem, não para pedir, só para agradecer.

Apesar de o desejo de ir a pé fosse real estive sempre muito longe de pensar que um dia o iria conseguir fazer a pé. Ora pelo excesso de peso ora pela nula preparação física era uma missão hercúlea que dificilmente ambicionava.
Mas cumpri e religiosamente fui a Santiago todos os anos. Com exceção de um…o ano em que fazia 10 anos de peregrinações, 2020, o ano que a nossa vida parou mas era também o ano em que Ele tinha outros planos para mim, o Bypass Gástrico.
Desde o primeiro momento sabia que a minha vida ia mudar…mas desconhecia a profundidade da mudança e o quão preciosos eram objetivos até então inalcançáveis.

Caminho Santiago foi o primeiro de todos, em Outubro de 2020 quando comecei a caminhar não fazia ideia de quando chegaria esse dia. Caminhar 2 km na altura era trucidante, era terminar treino após treino a chorar de dores. Era duvidar todos os dias que o caminho alguma vez acontecesse mas por algum motivo nunca desistir.
Foi festejar os primeiros 5km como se fossem um feito, os 10 km como um Record, os 15km com amigas a chamaram-me “papa km”, os 20km em lágrimas por ter conseguido aquele que achava ser o mínimo olímpico para conseguir fazer o caminho. O histerismo dos 30 e a confirmação dos 2 dias seguidos de 37.

Daniela não ias falar do caminho? Sim. É o que estou a fazer. O caminho começa muito antes de pores a mochila às costas. “O caminho começa quando decides fazê-lo”. E está muito longe de depender de uma preparação física. Para fazer o caminho só precisas de cabeça e foco. Nada deita abaixo uma cabeça focada e determinada num objetivo: não há dores, não há calor, não há frio, não há vozes do alheio, nada absolutamente abala a tua determinação.
Foi dessa forma que sempre olhei para o caminho. Não sabia como ia lá chegar. Mas nunca em momento algum, mesmo nos momentos mais duros considerei não chegar.
Foram quase 12 meses de preparação física e logística com muitas perguntas e questões absolutamente normais para quem vai embarcar numa aventura destas pela primeira vez.

Fiz muita investigação, li muito, participei em muitos grupos nas redes sociais mas essenciais foram os meus mentores do caminho. Pessoas que já estavam na minha vida e que já fizeram o caminho uma ou mesmo dezenas de vezes. Sem os seus ensinamentos e dicas o meu caminho teria sido mais duro, mais escuro e muito mais ansioso. A vocês o meu eterno agradecimento, ficam para sempre no meu coração: ao mestre dos mestres:
➡️ Eduardo Restaurante Mariazinha mestre com mais caminhos de Santiago que conheço, que me deus dezenas de dicas me contou histórias deliciosas e me fez sempre acreditar que era possível mas ciente do sacrifício que é necessário;
➡️ À minha mentora de quase tudo Lara Guerra, pela partilha das sua experiência no caminho, dicas do caminho, da logística mas essencialmente do desprendimento (que eu não “ouvi” e aprendi à força)
➡️ Nuno Fernandes, eterno amigo que esteve presente dia a dia para me descrever ao detalhe as dificuldades de cada etapa que escolhi, sem ajuda dele não teríamos noção das dificuldades que tínhamos pela frente, foi fundamental para mim.
➡️ Nuno Guerra (pela infindável paciência com a logística e construção de mochila e por não ter desistido de me dar na cabeça por levar tanto peso);

➡️ Tânia Faria pelas dicas preciosas e por me ter apresentado a bíblia do caminho a aplicação Camino Ninja (é tudo o que precisam para fazer o caminho);
➡️ Marisa Ribeiro por todos os ensinamentos e dicas como lidar e tratar de bolhas.
Mas este caminho nunca teria sido possível sem quem ficou a aguentar o barco.
❤️ Aos meus pais e irmão pelo incondicional apoio ( apesar de me acharem completamente louca)
❤️Acima de tudo ao meu marido que me aguentou tudo profissionalmente mas que foi como sempre um pai exímio com direito a festas do pijama e acampamentos na sala e que conseguiu mesmo com tudo nas costas ter a casa mais arrumada do que eu a deixei. Um eterno obrigada.
💪 Agradecer também às 4 mulheres que comigo embarcaram nesta aventura: a Ana que praticamente não me conhecendo confiou em mim e tudo e ainda me deu confiança quando a minha me faltava; à Patrícia que a vida me trouxe há 14 anos mas que nunca sonhei que estaria ao meu lado neste sonho e com a leveza de espírito e a garra absolutamente determinante que tem; à Elvira por me mostrar que a vida não tem de ser uma superação constante mas que isso não faz com que desistir seja uma opção; à nossa “pequena” Leonor pela garra e energia que nos deu e por nos dar o exemplo que mesmo quando a vida te oferece o “caminho mais fácil” tu podes sempre dizer que não e seguir firme rumo aos teus objetivos.
Se teria feito o caminho sem vocês? Muito provavelmente mas não teria metade do sentido que teve. Vocês foram metade do meu caminho.
⚠️ Obrigada também a ti que estás a ler estes texto, porque és minha amig@ ou seguidor@ e me enviaste mensagens de preocupação ou de incentivo quando eu mais precisava (mesmo sem saberes).

Já escrevi 2 km de texto e o do caminho ainda não comecei…ando às voltas…e voltas mas aqui vamos nós no regresso ao passado que está tão presente. Tão marcado.
O caminho não foi perfeito, nunca é exatamente como planeamos ou desejamos, muito menos o primeiro. É simplesmente o nosso caminho e está tudo bem. Só aprendemos quando erramos.
E eu cometi alguns erros de logística…graves…uns por desconhecimento outros por achar que posso mais do que realmente posso (tendência para esquecer que já não tenho 20 anos).
Se os assumo é para que sirvam de alerta para quem pretende fazer o caminho, mas não são nenhuma lei ou fatalidade. O meu caminho nunca vai ser o vosso. E os meus erros podem ser a vossa maior benção. Portanto relativizem o conteúdo e as minhas opiniões, até porque sei que algumas serão polémicas.

1º Erro – As etapas
Armei-me em heroína quis fazer em 6 ( na verdade queria fazer em 5) o que toda a gente faz em 7/8 dias. Em vez de ter etapas de 20/25km, só tivemos praticamente etapas acima dos 30 km. Tudo que é acima dos 30 é um esforço gigante que não te permite fazer mais nada que seguir setas sem aproveitar a terra, as pessoas, os monumentos, as histórias que o caminho te oferece.


2º Erro – O peso da mochila
Não foi por falta de aviso e vários alertas. Mas levar 14kg às costas não foi a decisão mais inteligente. Supostamente no máximo só poderia levar 7kg (10% do meu peso). Depois do primeiro km comecei a ter alguma dúvidas que chegaria a Santiago. Se nos 10kg da mochila hoje mudaria muitas escolhas fruto da experiência e de ter percebido que um albergue público não determina a tua experiência e um albergue privado tem o mesmo espírito, é pouco mais caro e não tens de ir carregado com sacos cama, toalhas e podes lavar e secar roupa quase todos os dias.
Relativamente aos 4 kg que levei na minha mochila da frente não mudava absoluta nada. São 4 kg de comida que me ajudaram a manter a minha alimentação, os meus horários e essencialmente evitaram a ansiedade de pensar se tinha o que comer, e o que queria comer.

3º Erro – Saber pouco pouco sobre os meandros das localidades que passamos.

Tendo tantos km para fazer, o foco eram setas, seguir setas, nada mais importava. Hoje já tenho noção que passei 10, 15 km sem um café ou um apoio porque não tinha tempo para desviar para a rua ao lado. Hoje sei que perdi muitos locais icónicos porque não tinha tempo e o foco era o medo de não chegar a tempo ao albergue e não ter onde dormir.


4º Erro – Subestimar o calor e a chuva
O calor na verdade nunca subestimei, escolhi outubro exatamente por isso, evitar ao máximo o calor. Não suporto o calor muito menos com uma mochila às costas. Por isso ir no Verão nunca seria uma opção. Mas tinha consciência que Outubro ainda pode ser quente…mas não estava a espera que fosse tanto. Dos 6 dias, 4 foram com temperatura de 29° com sensação térmica de 33°…de manhã até andamos bem…mas de tarde era um sacrifício…a cada passo. Cheguei a ter momentos que entre cansaço e calor caminhava de olhos fechados semi-adormecida. Subestimar, Subestimar… subestimei a chuva…foi espetacular caminhar com temperatura fresca quase todo o 5° dia…mas quando ao fim do dia começa a chover.. miudinha a entrar nos ossos…e depois a chover pesado..que se manteve quase até aos últimos km até Santiago. Portanto desejem apenas tempo fresco e nublado 🤣


5° Erro – Bolhas
Apesar de ter feito tudo bem e que os meus mestres me ensinaram tive 3 bolhas que fui tratando ou melhor camuflando…e resultou…cheguei ao destino mas descobri à chegada que já tinha princípio de infeção no pé que quase precisou de antibiótico…mais um dois dias de caminho tinha acabado no hospital com febre. Apesar do principal problema ter sido o calor e não as minhas insubstituíveis botas… é um ponto que tenho de rever no próximo caminho.

Não vamos “falar” só de desgraças! Até porque não mudaria absolutamente nada dos erros cometidos. São eles que me deram os maiores ensinamentos para os próximos caminhos. São eles que fazem só meu primeiro caminho uma experiência verdadeiramente única e singular.

Tirando os erros de logística que podiam ter estragado tudo. Tive e tivemos muita sorte.
Nos Albergues fossem públicos ou privados condições excelentes, pessoas atenciosas.
Na gestão de refeições que aprendemos a fazer pela escassez de sítios que muitas vezes tivemos. Mas nos sítios que paramos fomos sempre tratadas muitíssimo bem. Com exceção de um sítio que nem nomearei porque não pode manchar o esforço de todos os que nos acolhem no caminho.
Não vou descrever à exaustão dia a dia até porque já o fiz nas redes sociais etapa a etapa (www.instagram.com/projetoborboleta.bypass ou www.facebook.com/projetoborboleta.bypass )
Mas há momentos e pessoas inesquecíveis que quero eternizar neste texto.
A Cristina, uma seguidora do projeto Borboleta que me enviou uma mensagem logo no primeiro dia, subia eu a serra da Labruja, a convidar-me para passar em casa dela em Valença. Deu-me de beber, queria dar-me de comer e de dormir. Uma pessoa de uma generosidade ímpar que jamais esquecerei:

» O Diogo, do Albergue Quinta Estrada Romana, por ter um Albergue fabuloso e proporcionar uma verdadeira experiência de peregrinos com o jantar comunitário.
» A Dona Palmira que partilhou com a Elvira a dor da perda de um filho e lhe pediu para deixar uma moeda em Santiago. Fez-nos pensar na vida e deu à Elvira uma razão suprema para aguentar o caminho com dificuldades extremas (nunca esquecerei Elvira).
» Café/ Albergue Ideas Peregrinas dos sítios mais castiços que passamos e com o único café de jeito em Espanha.
» Responsáveis do Albergue de Mós que esperaram por nós até às 21h e nos deram uma camarata só para nós num dia de muito sofrimento.
» Aos senhores que no meio do mato entre Redondela e Pontevedra vendem fruta e água na mala de um carro. São inesquecíveis!
» À mãe da Leonor que fez uma centena de km para dar apoio à filha e a deixou continuar quando ela não escolheu o caminho mais fácil e continuou até ao fim mesmo com dores.
» À funcionária do supermercado Casa Firmin que achou que eu precisava tanto que fez questão de me oferecer uma sandes mista.
» A Pousada do Peregrino em Barrô, Pontevedra, apesar de estarem a atender dezenas e dezenas de peregrinos porque são o primeiro spot em 5 ou 6 km sem nada..de uma simpatia enorme e um dos melhores pequenos almoços que tomei.
» O Alberguista do Albergue do Milladoiro (um dos melhores onde estivemos) por ter trabalhado quase mais 2h à nossa espera. E mesmo quando chegamos ter tido o cuidado e a paciência de esperar que tivéssemos forças para fazer check in.


Mas o momento dos momentos foi o que sempre evitei imaginar…a chegada… é arrebatador… é impossível não chorar. É impossível não ter a sensação de se ter alcançado um feito (mesmo que pequenino).

Foram 6 dias brutais física e psicologicamente. Uma experiência que jamais esquecerei. Até porque obviamente repetirei.
Sim, vai haver próximo caminho. Não sei qual, não sei quando mas este foi apenas o primeiro. Tenho muito caminho para fazer e vou fazer, um por um.

missãosantiago2022concluída. ❤️🦋